sábado, 17 de setembro de 2011







A correria faz a gente perder tanto! O vento no rosto, o amigo que, ao invés de falar com você, deixa recado em sua secretária eletrônica ou na caixa postal do seu celular. Perdemos a capacidade de observar por observar. Perdemos o direito à inutilidade de nossos atos. Perdemos o prazer? Corremos para possuir coisas: Carreira. Sucesso. Dinheiro. Todos se ocupando de suas vidas, cronometrados por um tempo que, se corre no relógio, não corre na vida. A vida é que corre. Corre sem que possamos nos perguntar porque nela corremos, porque dela fazemos uma sequência de fatos corridos. Fatos esses que muitas vezes por estarmos correndo, vivendo mais lá do que aqui, diante do outro, sequer pesamos a importância que têm para nós. Tudo passa a ter o mesmo gosto, a mesma importância. As pessoas, os eventos, os trabalhos passam a ser meios para se chegar lá. Existe uma galera vivendo assim. E como o coelho de Alice nos unimos ao coro: "Eu preciso chegar lá, eu preciso chegar lá, eu preciso chegar lá..." E quando chegarmos podemos talvez olhar para trás e ver a vida que deixamos no caminho.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Vestígio

Ana Medienta
“Uma única folha desprendeu-se do olmo na esquina e, em meio a pausa e silêncio total, caiu. De algum modo, foi como se caísse um sinal, um sinal que apontasse para uma força nas coisas que havia passado despercebida. Pareceu apontar para um rio que corria, invisível, do outro lado da esquina, descendo a rua, e que levava as pessoas e as girava em redemoinhos...

Nesse ponto, escutei, toda ouvidos, não exatamente o que estava sendo dito, mas o murmúrio ou correnteza por trás. Sim, era isso — ali estava a mudança. Antes da guerra, num almoço como esse, as pessoas diriam precisamente as mesmas coisas, mas elas teriam soado diferente, pois, naqueles dias, eram acompanhadas de uma espécie de cantarolar, não articulado, mas musical, excitante, que alterava o valor das próprias palavras. Seria possível pôr em palavras aquele cantarolar? Talvez sim, com a ajuda dos poetas”.


Virgínia Woolf

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Digestivo 2

Sempre chega um dia onde percebes o que é um círculo. Um círculo é onde os componentes se respeitam. Onde as partes se conhecem. Onde um olhar chega para perceber o que está bem, o que está mal. Um círculo é onde há lugar para crescerem vidas. A tua vida. O círculo não é apenas o que está próximo. É o que está dentro. E até o que está dentro pode estar em muitos lugares.

Sempre chega um dia onde percebes que o teu círculo é muito pequeno. E depois um outro dia, onde encaras que o teu círculo é ainda mais mínimo. Inspiras forte, piscas os olhos. Custa-te um pouco. Mas segues em frente.

Luís Felipe Cristóvão

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Oficina Residência Taanteatro 2009


Durante muito tempo acreditei que a dança só acontecia no corpo. Que do corpo dependia o dançar... Mas eu dançava tanto na cabeça... Eu imaginava, inventava e quando via, já estava a dançar. Dançava com sílabas, compunha frases soltas, comia as palavras para que elas começassem novamente a pulsar, a fazer urgência no corpo... E o corpo? Esse era também inventado. Às vezes era letra, gozo, vazio, medo e, finalmente, movimento. Talvez seja fato de que a dança (em meu percurso de bailarina) tenha sempre vindo depois. Ou melhor, junto... Com a letra, com a música, com o branco, com a flor colocada em meus pés, com o ritual de passagem, com a passagem. Talvez seja fato que tendo dançando tanto, eu saiba tão pouco da dança... Ela para mim continua uma espécie de enigma, de terreno inexplorado, sempre a me convidar. A tecer uma espécie de cobrança em seu apelo ensurdecedor (mas não posso deixar de dizer, estranhamente prazeroso esse ruído). O canto da sereia...

Da minha experiência com a Maura Baiocchi não posso falar, foi única... Mas me lembro da menina se reinventando, de suas gargalhadas... Aquela que um dia fui eu... Me lembro de chorar diante de tanta liberdade... E de duvidar que ela fosse possível de novo. A mandala.O caminho reencontrado... O tempo redescoberto...

Depois de se tornar bailarina é possível dançar irresponsavelmente?

Acho que não... Talvez não...

Lembro-me dos pés sujos de barro,da argila e de improvisar durante horas... Lembro do afeto, da pentamusculatura, do respiro...

Ai, eu me lembro...

Obrigada Maura, obrigada...

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Ao ver o abandono da velha casa: o mato a crescer das paredes
Ao ver os desenhos de mofo espalhados nos rebocos carcomidos
Ao ver o mato a subir no fogão, nos retratos, nos armários
E até na bicicleta do menino encostada no batente da casa
Ao ver o musgo e os limos a tomar conta do batente
Ao ver o abandono tão perto de mim que dava até para lamber
Pensei em puxar o alarme
Mas o alarme não funcionou.
A nossa velha casa ficou para os morcegos e os gafanhotos.
E os melões-de-são-caetano que subiram pelas
paredes já estão dando seus frutos vermelhos.

Manoel de Barros
Retratos do artista quando coisa, Ed. Record, 1998

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Espera!

Falo tanto da costura...


E a hora que você tem é que descosturar?

As horas e a imensidão

Porque o peito pesa e pede paz....

E se...

Algo está para morrer.

Ou já morreu e eu perdi o fio. Não acompanhei o velório, não fiz o luto. Não me despedi.
Volto a soprar a única brasa da fogueira que se esvai numa tentativa de fazer que o fogo que fenece, reacenda, permaneça...
Minutos depois, a brasa começa e se esvair de novo e eu recomeço meu ritual de primeiros socorros.

Soprar, vigiar, soprar, ficar atenta ao mínimo movimento do ar, ao pequeno calor que persiste.

Sopro delicadamente separando as cinzas - fogo já morto - daquele fogo vivo, que ainda insiste em estar.

Mas não durmo...

Ou durmo mal.

E a sensação é de trabalho jogado fora. De insistência sem percurso.
De falta de recursos para prosseguir soprano. Meu ar já não alimenta mais...

Algo morreu.

Mas não tenho clareza do quê. Talvez porque esteja andando sobre um mar de coisas, cadáveres-flores.

Aquilo que silencia, o que não se ouve, a indiferença, a falta de carinho, o excesso de tesão, o excesso de tensão...

Nada de chamegos, ou flores. Nem declarações de amor ou de dor.
Só o vazio do silêncio indiferente.
A falta do encontro..

Estou exausta, não dormi hoje, ou melhor, só dormi 3 horas.

Estava tentando salvar uma brasa de calor...

Devaneios, perdas e desassossegos...

O que fazer quando parece que já se cruzou a linha final? Como continuar tendo forças para dar o último passo? E o medo da dor?
Pegar as roupas, buscar apartamento, encaixotar o restante, pegar a gata, mudar...
Caminhão de mudança, desmontar os móveis, chorar...
Mudar de destino e de direção, tormar fôlego...

Não saber o rumo do fazer, perder o fio da meada, perder a identidade, voltar a ser um só.
Saber ficar só, suportar estar só, suportar a dor, perder, suportar... Ainda...
Implorar por amigos, não encontrar repouso, ter que continuar existindo mesmo sem... Ainda que...

Matar o que ainda viceja e pede volta.
Ouvir o grito de socorro.
Não acreditar.

Não acreditar no que foi, no que fez pegada e não volta. Machucado sem remendo.
Estar no escuro, escrever sem pensar... permanecer...
Refazer casa e colina. Retomar horizontes.

Movimentar mesmo querendo ficar parada, esperando sei lá o quê.
Não dormir.

Sentir aperto no peito e saber que já foi.
Cuidar da gata e ser cuidada por ela.
Pedir carinho de mãe.
Colo.

Medo.

Estar só. Reatualizar-se na solidão.
Ritualizar.

Café da manhã, escrita e o corpo que grita.
Vontade de dormir, de não estar, de me abandonar.
A falta de saída, a mudança, o caminhão, o corpo...

O que não tem vazão, só vazamento.
Meu afeto vazando escada abaixo.

A rua, o medo, o que fica para trás.
Palavra calada, costura desfeita, o fiapo.

O gosto ocre na boca. os pés no chão, a perna bamba.
Eu, esqueleto de mim, fio sem músculo, mala furada.

O abandono.
Partir.
Parar de ti.

Luz no fim do túnel