segunda-feira, 5 de outubro de 2009

POR UMA POIESIS DA DANÇA

Tento escrever como quem dança. Uma escrita movimento.
Uma escrita que remete ao gesto dançante. Que o gesto não se perca quando escrito.
Se a escritura remete a si mesma, o entre letras, a ausência que se presentifica quando o poeta deixa a palavra jorrar,
deixa que as letras falem, transforma-se o poeta em meio para que a escritura se estabeleça?
Estabeleça-se como um não-lugar. Ausência. Deserto. Fenda-hiância.
O entre. O campo aberto.
Mas como chegar na escrita-movimento, escrita que possa dançar, se não há vontade de movimentar.
Há mal da dança.
Descoberta.
Sentido de deserto. Des-encontro de pares. Torno-me deserto.
Movimento nenhum. Broto-dança des-aparece.
Por dentro, estática.
Em suspenso.
Suspenso, suspensão, suspeição.
Muito movimento nesse parar. Gente dança, gente também faz da pausa dança. Do silêncio dança. Do indizível, a
posse do silêncio pela dança.
Como se escreve dança?
Qual a escrita para se falar de ou da dança?
Se o movimento-dança se alimenta, acontece e existe sempre de desequilíbrios.
De desequilíbrio em desequilíbrio-equilíbrio.
Jogo de movimento e pausa.
Fluxo.
Escrita criada no entre-palavras, no desequilíbrio da estrutura corpo-palavra, colocando-se em contato com a fenda.
Que corpo baila?
O diante de você numa conversa de bar...
O trancado numa sala, em treinamento...
Ou...
Aquele, no palco?
Todos e nenhum.
Corpo que se dá, é e não é ele próprio, conservado em algo de real e algo para além disso.
O mais-além do corpo.
O bailarino aponta, com o corpo, para algo mais-além do corpo, corpo imaginado, desejado, em processo e
processando, um corpo que se nega à imobilidade.
Corpo – De corpo do sujeito para corpo-sujeito.
Corpo pensante.
Que impulsiona a criar uma nova palavra: pensacorpo ao invés de pensamento.
Se vemos dança conhecemos o pensacorpo dos bailarinos?
Há sentido?
E se o sentido for a implicação infinita? O reenvio indefinido de significante a significante?
Pensacorpo – corpo fala, corpo cheira, ouve, degusta, corpo lambe, olha, intui, sente. Corpo dói.
Bailarino dançando, pensacorpo e mais-além disso.
Ao penso, logo existo – o penso onde não sou, existo onde não me penso.
Lugar como um além da memória, portanto além do pensado.
Sujeito que não detém a chave do conhecimento sobre si mesmo.
A chave perdida, a cada momento encontrada.
Lugar não empírico e racional de um território. Imemorial, é, portanto, também um futuro.
O sujeito que vive com o fato de que as coisas chegam à existência e perdem a existência ao serem nomeadas.
Aí pensacorpo.
Corpo fendido, sujeito fendido...