sábado, 19 de fevereiro de 2011

Ao ver o abandono da velha casa: o mato a crescer das paredes
Ao ver os desenhos de mofo espalhados nos rebocos carcomidos
Ao ver o mato a subir no fogão, nos retratos, nos armários
E até na bicicleta do menino encostada no batente da casa
Ao ver o musgo e os limos a tomar conta do batente
Ao ver o abandono tão perto de mim que dava até para lamber
Pensei em puxar o alarme
Mas o alarme não funcionou.
A nossa velha casa ficou para os morcegos e os gafanhotos.
E os melões-de-são-caetano que subiram pelas
paredes já estão dando seus frutos vermelhos.

Manoel de Barros
Retratos do artista quando coisa, Ed. Record, 1998

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Espera!

Falo tanto da costura...


E a hora que você tem é que descosturar?

As horas e a imensidão

Porque o peito pesa e pede paz....

E se...

Algo está para morrer.

Ou já morreu e eu perdi o fio. Não acompanhei o velório, não fiz o luto. Não me despedi.
Volto a soprar a única brasa da fogueira que se esvai numa tentativa de fazer que o fogo que fenece, reacenda, permaneça...
Minutos depois, a brasa começa e se esvair de novo e eu recomeço meu ritual de primeiros socorros.

Soprar, vigiar, soprar, ficar atenta ao mínimo movimento do ar, ao pequeno calor que persiste.

Sopro delicadamente separando as cinzas - fogo já morto - daquele fogo vivo, que ainda insiste em estar.

Mas não durmo...

Ou durmo mal.

E a sensação é de trabalho jogado fora. De insistência sem percurso.
De falta de recursos para prosseguir soprano. Meu ar já não alimenta mais...

Algo morreu.

Mas não tenho clareza do quê. Talvez porque esteja andando sobre um mar de coisas, cadáveres-flores.

Aquilo que silencia, o que não se ouve, a indiferença, a falta de carinho, o excesso de tesão, o excesso de tensão...

Nada de chamegos, ou flores. Nem declarações de amor ou de dor.
Só o vazio do silêncio indiferente.
A falta do encontro..

Estou exausta, não dormi hoje, ou melhor, só dormi 3 horas.

Estava tentando salvar uma brasa de calor...

Devaneios, perdas e desassossegos...

O que fazer quando parece que já se cruzou a linha final? Como continuar tendo forças para dar o último passo? E o medo da dor?
Pegar as roupas, buscar apartamento, encaixotar o restante, pegar a gata, mudar...
Caminhão de mudança, desmontar os móveis, chorar...
Mudar de destino e de direção, tormar fôlego...

Não saber o rumo do fazer, perder o fio da meada, perder a identidade, voltar a ser um só.
Saber ficar só, suportar estar só, suportar a dor, perder, suportar... Ainda...
Implorar por amigos, não encontrar repouso, ter que continuar existindo mesmo sem... Ainda que...

Matar o que ainda viceja e pede volta.
Ouvir o grito de socorro.
Não acreditar.

Não acreditar no que foi, no que fez pegada e não volta. Machucado sem remendo.
Estar no escuro, escrever sem pensar... permanecer...
Refazer casa e colina. Retomar horizontes.

Movimentar mesmo querendo ficar parada, esperando sei lá o quê.
Não dormir.

Sentir aperto no peito e saber que já foi.
Cuidar da gata e ser cuidada por ela.
Pedir carinho de mãe.
Colo.

Medo.

Estar só. Reatualizar-se na solidão.
Ritualizar.

Café da manhã, escrita e o corpo que grita.
Vontade de dormir, de não estar, de me abandonar.
A falta de saída, a mudança, o caminhão, o corpo...

O que não tem vazão, só vazamento.
Meu afeto vazando escada abaixo.

A rua, o medo, o que fica para trás.
Palavra calada, costura desfeita, o fiapo.

O gosto ocre na boca. os pés no chão, a perna bamba.
Eu, esqueleto de mim, fio sem músculo, mala furada.

O abandono.
Partir.
Parar de ti.

Luz no fim do túnel